Mais aventuras na boemia sergipana

Dilton Maynard

Parte da história da comunicação em Sergipe passa pelos alto falantes do Carro de Propaganda Guarany. O veículo pertencia a Augusto Luz, dono de alguns estabelecimentos, como o cinema Guarany e mesmo uma farmácia. Luz era figura conhecida na cidade. Ele tinha como sócio Cláudio Silva, que também participava do negócio como locutor. A aparelhagem, vinda de Ohio (USA), era única em Sergipe. Foi dos alto falantes do Carro que João Melo e Carnera, personagens centrais na vida cultural da Aracaju nos anos 1930 e 1940, cantaram juntos para grande público pela primeira vez.
Os dois rapazes não deixaram a desejar. João Melo, por exemplo, recebeu o convite para uma pequena temporada. Mas, o que aparentemente atestaria o seu potencial artístico, só alimentou o descontentamento e a preocupação dos seus pais, que sonhavam ver o filho formado em Medicina. O convite feito era para cantar num cabaré.
Todavia não se pode negar que o estabelecimento tinha um nome bastante pomposo: “Cabaré Imperial”. Era uma construção simples, na zona Norte da cidade. A proposta compreendia exibições acompanhadas ao piano e com pequenos cachês. João Melo via, assim, as portas do sucesso (e dos cabarés) serem finalmente abertas para ele.
Normalmente, hoje em dia, não se começa uma boa carreira por um prostíbulo. Ao menos, não é mais o comum. Os acordos entre empresários e gravadoras, e entre estas e as rádios fazem com que desconhecidos tornem-se, da noite para o dia, os mais tocados. Porém, lá pelos anos 30 e 40 a coisa era diferente.
Muitos bons cantores começaram pelo cabaré. Algo compreensível. Um prostíbulo, sobretudo em cidades pequenas, cumpriu (e ainda cumpre em muitos cantos do mundo) papéis fundamentais à sociedade. Mais que um mero “entreposto” de orgias, o cabaré era, dentre outras coisas, uma das grandes opções de lazer na Aracaju do final dos anos 1930. Reunia gente de todo tipo. Do contínuo ao desembargador. Era, portanto, espaço privilegiado para a divulgação de um novo cantor. João Melo, ainda menor de idade, era obrigado a “dribles” quando a fiscalização batia às portas. Isso quando uma cerveja e uma menina ao colo não acalmavam os zelosos fiscais da moral e dos bons costumes.
E, deste modo, as cantorias no cabaré inauguraram uma nova fase na vida de João Melo. O filho de médico, aluno do respeitável Atheneu, o elegante rapaz, o mocinho de voz sedutora, era agora era atração no Imperial. Por essa época, já é possível apresentar o grupo de boêmios em que João Melo estava envolvido. Eis alguns: Macepa, João Lopes, Argolo, Carnera, João Moreira. Todos eles envolvidos com música. Assim, a cada dia os estudos ficavam mais distantes. Estudos mesmo, só dos acordes do violão e falsetes dos cantores do rádio que a estática ameaçava omitir. A inexistência de uma rádio em Sergipe dificultava um melhor sinal nas transmissões. Mas em 1939 este quadro mudou.
O Governo do Estado estava decidido a implantar uma rádio difusora. Após uma batalha jurídica, a concessão foi obtida. Contudo, os profissionais eram poucos. Por isto, era preciso treinar os futuros nomes do rádio sergipano. Era preciso que alguém ensinasse aos cantores locais a como usar melhor os microfones, como superar certos percalços. Quando se iniciaram as primeiras experiências da rádio local, João Melo, Carnera e outros seresteiros foram convidados. E tiveram um professor ilustre. Certa vez, o próprio João Melo declarou: “Sílvio Caldas estava aqui fazendo uma temporada, foi quem nos orientou como cantor: você dá um agudo, puxa um pouco, você faz um grave chega mais perto”.
Desta experiência, surgiu um bom relacionamento entre João Melo e Sílvio Caldas e, com isto, o inesperado convite para tentar a sorte em programas na Rádio Tupi, no Rio de Janeiro. Desafio que o rapaz aceitou. Assim, João deixava para trás o Atheneu, os amigos e as cantorias pelas ruas e cabarés de Aracaju. Acabaram-se, ao menos temporariamente, as noites enluaradas de boemia junto ao rio Sergipe. (Publicado no Jornal da Cidade, 25/05/2010)

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