Por um real de amor: história das mulheres que só dizem sim
Dilton Maynard
Professor do Departamento de História – UFS
Grupo de Estudos do Tempo Presente – GET
(Publicado no Jornal da Cidade. Aracaju, 12 de novembro de 2008. Caderno Cidades, B-6. Opinião).
“Diga sempre que me ama, vá fazer o seu programa e depois volte pra mim”. É assim que se encerra a balada “E depois volta pra mim”, com letra de Zeca Baleiro, música e voz de Odair José, há pouco lançada. Como a canção foi inspirada em Bruna Surfistinha, a garota de programa transformada há poucos anos em best-seller, a polêmica se instalou. Será que tais compositores não têm mais o que fazer? Dedicar música a uma prostituta? Por outro lado, há gente considerando justa a homenagem. Bem, em meio a esta guerra, a leitura do livro Por um real de amor: representações da prostituição na MPB (Campina Grande: Editora da Universidade Federal de Campina Grande, 2008, R$ 7,00), de Antônio Clarindo Barbosa de Souza, recentemente lançado, poderia ser uma boa pedida.
Não se trata de livro encorpado, destes que ajudam a evitar o correr inesperado das portas. Pelo contrário, é uma obra esguia, que se lê em uma tarde de domingo, por exemplo. Mas não se engane quem acha que a espessura (ou a falta dela) compromete o resultado final. Em se tratando de prostitutas e músicas, há vários exemplos de que tamanho não é documento. O mesmo pode ser dito sobre o livro de Antônio Clarindo, professor na Universidade Federal de Campina Grande, oportuna contribuição aos estudos da chamada nova história cultural. Quem ler o livro verá que a tal balada nada mais é do que uma contribuição a uma longa tradição na indústria fonográfica nacional.
Caminhando pelas trilhas abertas por autores como o francês Michel de Certeau, o autor explora as apropriações e os usos feitos da personagem “prostituta” pelo cancioneiro nacional. Por meio das canções, é possível enxergar um rico e complexo universo de relações sociais, nuances da cultura popular e do cotidiano urbano trazidos à tona pelo olhar atento do historiador.
Por um real de amor toma clássicos da música nacional produzidos entre os anos 1930 e 1980 e observa como as letras destas canções construíram representações das meretrizes, dos seus espaços, práticas e também sobre os seus clientes. O livro se ergue dos textos, das palavras presentes nas músicas, sem a intenção de resolver o assunto, mas de provocar reflexões. Assim, dividido em cinco curtas seções, o livreto nos mostra como a prostituta aparece, mas também como ela se transforma nas músicas. Da “boneca vadia de manha e artifícios”, mulher de “erros, pecados e vícios” surgida no clássico Meu vício é você (1955), de Adelino Moreira, ela se transformará anos depois numa dama mais astuta, sagaz, do tipo que é capaz de dizer sim “por uma coisa à toa, uma noitada boa/Um cinema, um botequim”, como escreveu Chico Buarque em Folhetim (1977). O próprio autor explica que as suas prostitutas, as musas representadas nas canções, oscilam “entre extremos como uma corda atada sobre o abismo da perdição” (p.49).
A obra realiza truques, artimanhas dignas de uma “secretária da beira do cais”. Em lugar de apenas explorar a construção das representações sobre as prostitutas, o autor usa as músicas para pensar quais as imagens que os homens, representados pelos intérpretes, constroem para si através de boleros e baladas. E que tipo de homem a obra enxerga? Sejam eles poetas ou cantores, estes machos “constroem para si uma subjetividade, na qual ora são másculos protetores, ora são frágeis objetos de traição, desprezo, desatino, desequilíbrio emocional ou afetivo” (p.34).
Mas apesar de manejar as teorias e metodologias da história com maestria, Antônio Clarindo não levou para sua escrita a chatice de certos textos acadêmicos. Não há barroquismo nenhum em sua narrativa, direta e sem tempo a perder, sedutora e objetiva como as personagens centrais da sua análise. Personagens que o autor apresenta ao leitor com a elegância de um habitué dos prostíbulos.
Será difícil ler o livro e não cantarolar os versos presentes em suas páginas. Por um real de amor provoca, diverte e esclarece. Isto é algo que nem as pequenas falhas na revisão do texto comprometem. O leitor poderá sentir falta de algumas canções (o próprio autor se desculpa ao não incluir Geni e o Zepelim, por exemplo). Músicas como Puteiro em João Pessoa, o rock misturado com baião que projetou os Raimundos nos anos 1990 e a recente Brega de Leila, do cantor baiano Zéu Britto, também não aparecem, mas atestam a força que a temática manteve após os anos oitenta. Entretanto o objetivo da obra não foi esgotar tais músicas. O livro não é uma análise de mulheres que mercantilizam os seus corpos, mas uma reflexão sobre o universo masculino, produtor destes fetiches em torno desta fêmea-mercadoria, por quem estes machos, ora algozes, ora vítimas sofrem. É também um livro sobre os desencontros de homens e mulheres. Ele propõe a reflexão e, claro, uma revisão dos papéis comumente atribuídos a mulheres no teatro da vida social. Portanto, o autor não idealiza ou sataniza as prostitutas. Na letra da “polêmica” de Baleiro e Odair José, lê-se sobre a moça prostituta que “pra todo mundo diz que é modelo e atriz, mas hoje eu sei o que na verdade ela faz, pra dizer que não vem mais”. Em lugar de apedrejar aos compositores, melhor seria ouvir o conselho que encerra o livro de Antônio Clarindo: “Cada um tem o amor que merece”. E se não o tiver, compra por uns reais.
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