WikiLeaks - ou os poderosos também temem!

por: Francisco Carlos Teixeira Da Silva

Professor Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ



Logo que a notícia circulou dando conta que a rede diplomática americana – entre outras instituições – havia sido rompida e que importantes “segredos de Estado” americanos viriam à público, a mídia internacional buscou os aspectos mais sensacionais e comprometedores dos “telegramas” diplomáticos americanos. Tratava-se da publicação, sem censura, dos relatórios enviados pelo pessoal diplomático americano – a maior rede de diplomacia do mundo – para o departamento de Estado (equivalente de ministério do exterior) em Washington. Sendo material para informar a formulação da politica externa americana era, por sua própria natureza, material secreto e, quase sempre, indiscreto.
Sem dúvida o material mais sensível – despacho da secretária de Estado Hillary Clinton com o Presidente Obama ou os debates do Conselho de Segurança Nacional – não estava em risco. Tratava-se, tão somente, da correspondência entre as embaixadas e consulados americanos e Washington. Contudo, mesmo assim, criou-se um clima de escândalo e de temor, especialmente pelo volume do material (mais de 50 mil documentos), o que exigia uma pesquisa demorada e garantiria o surgimento de novidades durante um bom tempo. Assim, os segredos da WikiLeaks abasteceriam durante semanas a mídia internacional.
Tal aspecto de indiscrição e de escândalo foi reforçado pela trajetória “out sider” do principal mentor da WikiLeaks, o australiano Julian Assange, que passou a assumir, e representar, um novo espirito de liberdade informacional. Sua posterior prisão na Suécia, onde o sitio eletrônico é hospedado, sob a acusação de estupro (decorrente de uma legislação considerada puritana e controladora, sem equivalência na maioria dos países democráticos do Ocidente) acabou por reforçar o caso WikiLeaks como paradigmático para os novos tempos da globalização informacional.
No seu conjunto o material disponibilizado pela WikiLeaks é pobre – reafirmamos que os documentos estratégicos ficaram resguardados. Trata-se, em suma, de correspondência consular, muitas vezes redigida por agentes diplomáticos com pouca, ou nenhuma, familiaridade com o tema tratado ou com o país referido. Este é, em verdade, um traço característico da diplomacia americana. Os Estados Unidos usualmente utilizam-se de homens externos à carreira diplomática – como empresários, funcionários de outros departamentos, professores, religiosos, policiais, agentes humanitários e militares – para funções de informação, com ou sem status diplomáticos. O resultado é medíocre, desigual e muito dependente da formação e da ideologia de tais agentes.
Muitos de tais agentes em especial embaixadores, assumem seus cargos em função de favores prestados aos presidentes em exercício, em especial contribuições financeiras durante as campanhas eleitorais (imagine o escândalo que isso seria no Brasil!).

Da mesma forma, a diplomacia americana – tal qual o americano médio – são muito mal informados, e formados, em relação aos demais países, povos e culturas do mundo. Dificilmente conseguem abrir mão do “seu lugar de fala” para descrever e analisar outras sociedades, produzindo constantemente lugares comuns, comparações com a pretendida excelência do “american way” em toda e qualquer atividade e produzindo forte reducionismo histórico e etnocentrismo cultural exacerbado.

Assim, o material da WikiLeaks veio apenas confirmar aquilo que os especialistas em relações internacionais já sabiam: a superficialidade das análises americanas sobre o mundo. Não nos interesse aqui repetir o imenso elenco de gafes e de banalidades produzidas por diplomatas bem pagos e bem equipados, mas um par destas bobagens basta para dar a dimensão da saturação culturalista americana. Como exemplos: a análise do governo russo (Medvedev e Putin) como um “comics” americano de Batman e Robin ( qual seria o “comics” da dupla Bush+Dick Cheney?); o telegrama de Hillary querendo saber da saúde mental de Cristina Kirchner (será que a Suprema Corte americana não poderia pedir um teste de sanidade do presidente Bush?) ou a afirmação que o sistema politico brasileiro é “bizantino” (ora, o sistema eleitoral americano baseado em delegados, por cima do voto popular, e com uma cédula eleitoral pré-histórica é o que?).

Em suma, nada há no conjunto dos documentos que altere decididamente um livro de bom nível sobre relações internacionais escrito previamente. Mas, para sermos sinceros, os documentos revelados pela WikiLeaks prestaram um grande favor ao revelar dados novos. Vejamos. Em primeiro lugar a comprovação da hipocrisia americana no tratamento da questão do aquecimento climático – este é um ponto relevante e que dá conta da superficialidade e da encenação promovida por Obama ou da legalidade internacional em face do pedido de Hillary para espionar a ONU. Em segundo lugar os documentos revelam a extrema ingenuidade e falta de percepção de altos funcionários internacionais prontos para fazer confidências, incluindo aí fofocas contra seus colegas de governo, a agentes americanos. Assim, vemos um poderoso banqueiro português, um bispo brasileiro e um ministro da defesa candidamente produzindo análises sobre colegas e superiores – incluindo aí o Papa – para os diplomatas americanos. Por fim, vemos também a duplicidade da politica externa americana, quando os mesmos diplomatas que concordam com seus parceiros estrangeiros em reuniões e conferências apressam-se, em seguida, para escrever para “Mamãe Ganso” criticando duramente os mesmos parceiros, incluindo aí as parcerias mais cooperativas, como ingleses, árabes do Golfo, israelenses e mesmo brasileiros.

Por fim, o balanço possível do caso WikiLeaks é pobre, excetuando o fato que “daqui prá frente tudo será diferente”, para aqueles que possuem bom senso, ao falar com funcionários americanos. O melhor de todo o caso foi, contudo, a reação – espontânea, imediata, não coordenada - do cyberativisimo mundial contra os governos e empresas que participaram da repressão a WikiLeaks e seu mentor.




Extraído de: TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. WikiLeaks - ou os poderosos também temem! Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 6, Nº1, Rio, 2011 [ISSN 1981-3384]

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