Cidade Alerta! Aracaju nos tempos da II Guerra Mundial
Dilton Maynard
“Alerta!
Às dez horas e quarenta e cinco minutos, precisamente, as sirenes e os sinos das igrejas emitiram sinais de alerta. Eram aviões inimigos que se aproximavam da cidade, pelo lado do mar.
Os alertadores e vigilantes da Defesa Passiva entraram em ação. Começou a agitação popular. Uns corriam para os abrigos, outros amparavam-se sob as marquises ou penetravam nas casas mais próximas. Casas comerciais e residenciais fechavam-se mas tudo na melhor ordem possível, de modo que, dentro de cinco minutos, havia cessado completamente todo o movimento da cidade. As ruas ficaram desertas e por quanto podiam fazê-lo, em ocasiões que tais.
Exatamente às onze horas e dez minutos, começa a ofensiva aerea, sempre energicamente repelida pela defesa ativa da cidade, a cargo do valoroso e disciplinado 28º B. C. , ora sob o comando do Cel. Gilberto Freitas.
O Banco do Brasil, o prédio do “Sergipe- Jornal” e a Estação Ferroviária são atacados mas as baterias antiaéreas instaladas nos altos da Biblioteca Pública do prédio ‘Pernambucano’ e do alto do Mercado Modelo reagem honrosamente, estabelecendo-se então rude combate.
O fogo de barragem é intenso, mas os aviões lhe opõem resistência e conseguem despejar certa quantidade de bombas explosivas. Reina grande apreensão, há um barulho ensurdecedor, mas a população está toda abrigada, com a moral bastante alevantada, esperando-se mesmo que o numero de vitimas seja pequeno e os prejuizos materiais pouco consideraveis.
Às onze horas e cinqüenta e cinco minutos, os aviões deixam de sobrevoar a cidade, ouvindo-se então o sinal de “céu limpo”. O povo sai a rua, pois está passado o perigo. Os serviços de saúde entram em febricitante funcionamento”.
É assim que a Folha da Manhã, em 03 de maio 1943, relata o primeiro exercício de defesa antiaérea realizado em Aracaju. Confundem-se aí realidade e ficção. O narrador procura descrever um quadro heróico num possível ataque a Aracaju. Vê, nos poucos teco-tecos do aeroclube local, uma perigosa esquadrilha do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Sacos de areia são descritos como “bombas explosivas”. Entre os diversos eventos vividos por Aracaju em seus 150 anos, os dias da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foram marcantes. Poucas cidades brasileiras vivenciaram o conflito de forma tão intensa.
Durante a Segunda Guerra, o Brasil encontrou a oportunidade para iniciar a sua industrialização. A bipolaridade ideológica crescente na década de 30 entre Eixo – tendo por pivô a Alemanha Nazista – e os Aliados – encabeçados pelos EUA – bateu às portas brasileiras e Getúlio Vargas, político sagaz, soube tirar proveito desta situação. Aos poucos, deslocou-se para o lado dos Aliados e obteve assim vantagens significativas para o Brasil.
O torpedeamento de navios brasileiros entre as costas da Bahia e Sergipe, em agosto de 1942, foi a brecha política que Vargas utilizou para, declarando guerra ao nazi-fascismo, tomar o caminho para o rearmamento bélico e ampliar seu poder de barganha. Enviando tropas à Europa, participando efetivamente do conflito com alguma força bélica e funcionando como reservatório de matérias-primas aos aliados, o Brasil esperava ter direito a algumas fatias do “bolo” resultante do pós-guerra. A Guerra começou no auge do Estado Novo (1937-1945). Ao seu término, caía também o regime getulista que, no final das contas, permaneceu por mais de uma década no poder.
A interferência do conflito no cotidiano da capital aparece nas páginas dos jornais. Conforme O Nordeste: “a Guerra, com seus efeitos calamitosos, suas conseqüências imprevisíveis, vem sendo o assunto predileto de todos aqueles que tem tempo para cavaquear .Aqui, nesta cidade brasileira tão distante da Europa, e onde as distrações públicas são raras, a escuta do noticiário europeu sobre os últimos acontecimentos, vem sendo o prato favorito”.[1] E, assim, dissolveu-se a idéia da Guerra na vida aracajuana.
Ao que parece, Aracaju experimentou uma espécie de “invasão” terminológica.
Referências à Guerra servem para indicar, por exemplo, a força do carnaval (blitzkrieg contra as tristezas da vida); as vantagens de um carro (apesar do luxo vai ser vendido por preço de combate) ou até mesmo a dedicação de um comerciante aos seus clientes (o Cinema Guarany rendeu-se incondicionalmente ao seu digno público)[2]
Tudo ocorreu muito rápido, entre os dias 15 e 17 de agosto de 1942. A notícia, contudo, chegou mais tarde. O Correio de Aracaju justificou-se: “em vista de necessitar a imprensa de autorização oficial para publicar notícias referentes ao torpedeamento de nossos navios, e porque essa autorização só chegou muito tarde, o ‘Correio’ não circulou ontem”.[3] Haviam naufragado entre os mares de Sergipe e Bahia, além do já citado Baependi, as seguintes embarcações: Araraquara, Anibal Benévolo, Itagiba e Arara.
O inimigo vem do mar
Eis algumas das impressões sobre o torpedeamento de navios ocorrido na região sergipana em 1942 nas palavras de Santos Santana, conhecido cronista sergipano: “ ao amanhecer o dia 20, começaram a chegar às areias das praias os corpos de adultos, tripulantes e passageiros dos navios, além de crianças quase todos filhos dos oficiais do Exército que faziam parte da unidade que estava sendo transportada pelo Baependi”[4]. Além de Santana outros autores comentaram o episódio.
Mário Cabral menciona a página negra do nazismo “na qual houve torpedeamentos dos navios brasileiros, um após outro, em frente ao litoral sergipano, causando a morte de dezenas de crianças, mulheres e homens, cujos corpos davam à praia, dias depois, inchados e corroídos (...)”.[5] Pires Wynne também relatou o torpedeamento que deixou o saldo de 652 mortos e 6 embarcações brasileiras naufragadas: “os tripulantes e passageiros do Baependi, primeiro barco a ser afundado, não sabiam como lançar as baleeiras ao mar: as cordas que as prendiam haviam sido pintadas recentemente, o que impedia o desatamento dos nós”. Wynne escreveu ainda que “para os passageiros da terceira classe, no porão, foi um terrível estrondo. É que o torpedo atingira justamente as partes mais baixas da embarcação, fazendo as camas-beliches caírem umas sobre as outras, deixando os soldados com água pela cintura em questão de segundos e estabelecendo um pânico que resultou numa decisão irracional: quase ninguém queria subir ao convés. Surgiria a falsa idéia de que lá em cima a morte chegaria com mais rapidez, pois o navio, adernando cada vez mais, faria com que as pessoas escorregassem e caíssem no mar”.[6]
Com as notícias sobre o torpedeamento, houve rebuliço na cidade. Estudantes e populares saíram em passeatas. Porém, nem todo mundo teve atitude tão nobre. Não foram poucos aqueles que se dirigiram às praias na esperança de pilhar um ou dois náufragos. O governo pôs a polícia de prontidão. Os cidadãos “ligados” ao Eixo – estrangeiros, inimigos políticos declarados – foram presos por precaução. A massa fez estragos nas propriedades de algumas destas pessoas. “Depredação não é brasilidade”, advertiu a Folha da Manhã[7].
Dias depois do ataque, Augusto Maynard Gomes – na época interventor federal –, Falou: “Sergipanos!... preparai-vos para a guerra!”. Advertiu ainda sobre a possibilidade de novos ataques, de traição, desordem pública.[8] Esta materialização do conflito em território sergipano gerou curiosas manifestações no imaginário popular. Um senhora afirmou haver mantido contato com os tripulantes de um submarino. Segundo esta, eles haviam saído de uma “embarcação escura” que emergiu nas proximidades do rio Vasa Barris.[9] Reclamavam ter sede e não encontrar água para beber. Falava-se também em possíveis ataques aéreos, em auxiliares eixistas entre os aracajuanos.
Aracaju viveu, ao seu modo, tempos de Guerra. Assim, os anos posteriores a 1942 foram de dificuldades muito grandes na vida brasileira. Perseguições a nazi-fascistas, concentração da indústria nascente para a Guerra, saída de jovens para frente de batalha e racionamentos de alimentos e combustíveis.
De forma semelhante aos dias de hoje os automóveis particulares, prolongamentos da vida privada[10], eram utilizados para o passeio com a família, para chegar às praias da cidade, assim como nos leva-e-traz dos homens de negócios etc. Eram usados (falamos dos mais vistosos) também para seduzir as jovenzinhas dos subúrbios da capital.
Por conta da Guerra, o governo instituiu o racionamento de combustível, proibindo o uso de carros oficiais e particulares. Com isso, os ônibus e bondes de Aracaju se viram abarrotados de gente. Os donos de automóveis não aceitaram a medida passivamente.
O Departamento de Segurança informava em aviso que “não mais será fornecida autorização para circular carros pertencentes a particulares, para fins de limpeza ou qualquer outro pretexto”[11]. Contudo, muitos “figurões” utilizavam carros oficiais sem sofrer punições. Sabe-se ainda que os adversários políticos do governo ficavam longo tempo sem combustível.[12]
Além dos carros particulares e oficiais, era possível utilizar-se principalmente do bonde e da marinete. No primeiro “senhoras, senhoritas, cavalheiros, como sejam militares, estudantes, elementos da nossa polícia civil (...)” arrumavam-se entre os bancos, compras e demais apetrechos.
Os bondes são bons indicadores dos problemas que a cidade enfrentou após a entrada do Brasil na Guerra. Entretanto, verdade seja dita, o aracajuano teve que conviver com uma parca organização mesmo antes disto ocorrer. Mudavam-se itinerários sem prévio aviso, testavam-se novos horários, depois retornava-se ao procedimento normal. “A ETEA retirou de trafego e meses depois fez voltar o bonde de linha circular. Agora novamente retirou-o”.[13]
Pernas para quem estava distante da região central da cidade – onde encontravam-se as principais repartições públicas, lojas, escritórios etc. – os bondes e as marinetes eram fundamentais à maioria dos aracajuanos. Dizia o ditado popular: “Jogar como meraú / só os bondes D ‘Aracaju”. E com razão. A situação dos bondes e das vias não era boa. A Guerra apenas acentuou este quadro: “os motores escangalhados, os truques estragados, as coberturas arremendadas de furos, as cortinas enguiçadas, sem estribos e sem freios”, informava o Correio de Aracaju. Em 1945, no mês de abril, dos onze bondes existentes na cidade, somente três circulavam. A razão para tamanha bagunça: “é a guerra”.[14]
Por sua vez, as marinetes circulavam na capital permitindo acessar regiões nas quais os bondes não possuíam “linha”, sendo suas passagens mais caras que as destes últimos. Mas com elas os incômodos também não se apresentavam esporádicos. Tais veículos podiam levar à praia de Atalaia, às provas de turfe, bem como às cidades do interior. Utilizá-los era muitas vezes uma experiência revoltante para o passageiro. Experiência vivida, por exemplo, por aqueles que pretendiam chegar às festas na colina de Santo. Antônio em 1939.
Ocorreu o seguinte. Chegando ao “pé da ladeira”, o condutor perguntou: “Quem quer subir?”. Obviamente, todo mundo afirmou a intenção de permanecer no carro até chegar ao topo. Afinal, a passagem compreendia tal percurso. Porém, ao completar a subida, outra passagem era cobrada. Outros condutores eram mais objetivos. Avisavam já no pé da ladeira: “volta daqui”.[15] Quem quisesse subir, que fosse a pé.
Era ver isto ocorrer no dia-a-dia e permanecer em silêncio espartano. A imprensa habilmente transpunha para os condutores toda a culpa pelas medidas arbitrárias. O Estado, dessa forma, desvencilhava-se da figura autoritária e reafirmava o seu papel redentor.
Mas práticas como estas mostram também as faces de uma sociedade que de certa forma, reproduzia o autoritarismo (nas figuras oficiais: fiscais, condutores, demais funcionários do baixo escalão) e a submissão (no cliente lesado que não erguia, ou não possuía meios de contestar tais atitudes). Se alguma reclamação era feita, a resposta: “é ordem superior”[16]. E provavelmente era – ao menos, nos casos de recolhimento e alterações das rotas.
Ainda devido ao estado de guerra, os “blackouts programados” impeliram mudanças na vida sergipana. Em Aracaju os fiscais enfrentaram problemas com aqueles que passavam do horário com as luzes acesas ou não pintavam suas vidraças de preto, nem tampouco tratavam de colocar algum papel escuro nelas.
A escuridão fermentou a imaginação dos citadinos, mudou hábitos que cresceram com muita gente. As cadeiras nas calçadas, por exemplo, ficariam sem grande sentido se Fulano ou Sicrano (combustíveis da fofoca) não passavam, ou pior, se não eram bem visíveis.
A penumbra programada rearranjou o “ir” e “vir” de muita gente. “o pôvo deve preparar a iluminação residencial de maneira a não ser percebida externamente”, explicava o anúncio sobre a instituição do blackout[17].
A queda na tensão ou a falta de energia elétrica indicavam que a Guerra havia mesmo chegado com quase todas as suas dificuldades. Aos mais pobres, a eletricidade deficiente não representou grande entrave, já que estes não tinham acesso a tal benefício em seus lares. Ressalva seja feita para o caso dos bondes que tinham que “recolher” mais cedo ou parar no meio da linha e aos cinemas, onde a falta de energia trazia consigo vaias e muita inquietação.
A ida aos clubes também era feita com certo receio: “a queda de energia empanou a festa”[18], lamentava o Correio de Aracaju ao cobrir um evento projetado com toda pompa possível. No final, baterias permitiram o prosseguimento de bailes e outras solenidades noturnas.
A cidade província se vê cosmopolita
Há, nos jornais nos durante a Segunda Guerra, uma contradição interessante. Enquanto nossos colunistas e alguns intelectuais da época, insistem em construir a imagem de uma emergente metrópole nacional. Comentava-se o requinte da noite do Ano Novo em um clube: “luxuosos automóveis se enfileiravam em frente da linda boite conduzindo elegantes senhoras e encantadoras senhorinhas./ Parecia flutuar pelo ar um perfume que inebriava os sentidos. Ambiente elegante e de requintada espiritualidade. Sem vulgaridade. Seleto. Sem maldade”.[19] Além do evidente moralismo, a nota procura transmitir a idéia de um ambiente moderníssimo e elegante, semelhante aos de muitos filmes vistos em Aracaju.
Porém, as notas de canto de página dos mesmos veículos refletem uma cidade pacata, distante daquilo que oficialmente era dito. Deste modo, encontramos afirmações como esta de Valentim Amaral: “Aracaju - a cidade jardim - tem aspectos a enfeia-la e que, de tão anti-esteticos, dão-nos a impressão de um retorno a uma civilização afastada da nossa com cincoenta anos de atraso”[20]. Nosso próprio jornalismo deixa à mostra que, de maneira nenhuma, a cidade aproximava-se do ambiente cosmopolita idealizado:“Vem à noite. Quem não tem o habito de jantar toma café com bolacha ou macaxeira. Terminada a refeição, quem fuma queima um York ou bagana e depois...cadeiras nas calçadas para impedir o transito ou então tesoura em punho para garantir que Fulano é... pirata, Cicrano está quasi falido, Beltrano enriqueceu depressa ”[21].
Mas, contrastando com esta visão, uma mais tradicionalista. Vejamos esta nota como exemplo: “acha-se em nossa redação uma bem feita dentadura (...) quem perdeu pode vir buscá-la”.[22] Além das próteses dentárias, relógios de ouro, vestidos infantis e outros utensílios eram reclamados ou notificados. São anúncios que contrastam com a situação atual. A cidade na qual, nos tempos da Guerra, até uma dentadura e objetos de ouro poderiam ser recuperados assiste, estática, a latrocínios em escala ascendente.
À guisa de conclusão
A Segunda Guerra reordenou o mundo, estabeleceu novos temores às sociedades contemporâneas. Para Aracaju, os tempos de Guerra foram difíceis. O aracajuano teve que adaptar seu cotidiano às novas diretrizes impostas pelo conflito. Quando foi possível, as normas foram quebradas, desrespeitadas mesmo. Afinal, o que dizer de um cidadão que, proibido de passear de carro, resolve lavar o seu veículo a quilômetros da própria casa?
Além disto, o episódio do torpedeamento marcou a cidade definitivamente. A rodovia dos náufragos é um lugar da memória aracajuana parcamente explorado. Porém, os impactos do maior conflito do século XX para Aracaju e seus habitantes ainda são pouco conhecidos. Infelizmente, os gestores da cultura e da educação parecem desconhecer a importância de um espaço como este para a cidade. Poucas cidades brasileiras vivenciaram a Segunda Guerra de forma tão intensa. Nenhuma delas demonstra tanto desprezo pelo evento quanto Aracaju.
[1] O PALADINO. A tragédia Humana. O Nordeste. Aju.,21 set.1939.p. 01
[2]Folha da Manhã. Aju.,01 fev. 1939.p.01; Correio de Aracaju. Aju.,28 mai. 1945.p.06
[3] Correio de Aracaju. Aju. 18 ago.1942.
[4] SANTANA, Santos. O Brasil na Guerra: Tragédia no litoral de Sergipe. Aracaju dos meus amores. Aju:PMA/SEC, 1983.p.81-85
[5] CABRAL, Mário. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Livraria Regina, 1955.p.128.
[6] WYNNE , J. Pires.História de Sergipe (1930-1972). Rio de Janeiro: Pongetti,1973. v.02 p.93-94.
[7] AVISO ao público. Folha da Manhã. Aju.,20 ago.1942.p.06.
[8] A VIBRAÇÃO cívica de Sergipe. Folha da Manhã. Aju.,24 ago.1942.p.01
[9] O relato foi feito aos investigadores que cuidaram do inquérito aberto na ocasião do torpedeamento. Cf. Correio de Aracaju. Aju.,16 out. 1942.p.02-03.
[10] PROST, Antoine e, Gerárd (orgs.). História da vida privada 5: da Primeira Guerra aos nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; DEL PRIORE, Mary. História do cotidiano e da vida privada. In: CARDOSO, C. F. , VAINFAS, R. (Orgs.) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997.p. 259-268.
[11] Correio de Aracaju. Aracaju, 23 jul.1942.p.02.
[12] Cf. Correio de Aracaju. Aracaju,31 jul. 1945 p.04.
[13] Correio de Aracaju. Aracaju, 13 jan. 1939.p.04.
[14] Correio de Aracaju. Aracaju, 07 abr. 1945.p.01
[15] A ETEA e o povo. Correio de Aracaju. Aracaju, 24 jan. 1939.p.04.
[16] Com os Serviços de Luz e Força. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 mar.1945.p.03.
[17]Blackout. Correio de Aracaju. Aracaju, 27 ago.1942.p.01.
[18] A FALTA de luz empanou o brilho da Festa da Primavera. Correio de Aracaju. Aracaju, 01 out 1945. p.04.
[19] O REVEILLON da Atlética. O Nordeste. Aracaju, 16 jan.1942.p.04.
[20] AMARAL, Valentim. A Feira do Mercado. O Nordeste. Aracaju, 14 mar. 1939.p.01.
[21] BÔA piada. O Nordeste. Aracaju, 15 mar.1939.p.01.
[22] Folha da Manhã. Aracaju, 9 nov. 1942.p.04.
Tudo ocorreu muito rápido, entre os dias 15 e 17 de agosto de 1942. A notícia, contudo, chegou mais tarde. O Correio de Aracaju justificou-se: “em vista de necessitar a imprensa de autorização oficial para publicar notícias referentes ao torpedeamento de nossos navios, e porque essa autorização só chegou muito tarde, o ‘Correio’ não circulou ontem”.[3] Haviam naufragado entre os mares de Sergipe e Bahia, além do já citado Baependi, as seguintes embarcações: Araraquara, Anibal Benévolo, Itagiba e Arara.
O inimigo vem do mar
Eis algumas das impressões sobre o torpedeamento de navios ocorrido na região sergipana em 1942 nas palavras de Santos Santana, conhecido cronista sergipano: “ ao amanhecer o dia 20, começaram a chegar às areias das praias os corpos de adultos, tripulantes e passageiros dos navios, além de crianças quase todos filhos dos oficiais do Exército que faziam parte da unidade que estava sendo transportada pelo Baependi”[4]. Além de Santana outros autores comentaram o episódio.
Mário Cabral menciona a página negra do nazismo “na qual houve torpedeamentos dos navios brasileiros, um após outro, em frente ao litoral sergipano, causando a morte de dezenas de crianças, mulheres e homens, cujos corpos davam à praia, dias depois, inchados e corroídos (...)”.[5] Pires Wynne também relatou o torpedeamento que deixou o saldo de 652 mortos e 6 embarcações brasileiras naufragadas: “os tripulantes e passageiros do Baependi, primeiro barco a ser afundado, não sabiam como lançar as baleeiras ao mar: as cordas que as prendiam haviam sido pintadas recentemente, o que impedia o desatamento dos nós”. Wynne escreveu ainda que “para os passageiros da terceira classe, no porão, foi um terrível estrondo. É que o torpedo atingira justamente as partes mais baixas da embarcação, fazendo as camas-beliches caírem umas sobre as outras, deixando os soldados com água pela cintura em questão de segundos e estabelecendo um pânico que resultou numa decisão irracional: quase ninguém queria subir ao convés. Surgiria a falsa idéia de que lá em cima a morte chegaria com mais rapidez, pois o navio, adernando cada vez mais, faria com que as pessoas escorregassem e caíssem no mar”.[6]
Com as notícias sobre o torpedeamento, houve rebuliço na cidade. Estudantes e populares saíram em passeatas. Porém, nem todo mundo teve atitude tão nobre. Não foram poucos aqueles que se dirigiram às praias na esperança de pilhar um ou dois náufragos. O governo pôs a polícia de prontidão. Os cidadãos “ligados” ao Eixo – estrangeiros, inimigos políticos declarados – foram presos por precaução. A massa fez estragos nas propriedades de algumas destas pessoas. “Depredação não é brasilidade”, advertiu a Folha da Manhã[7].
Dias depois do ataque, Augusto Maynard Gomes – na época interventor federal –, Falou: “Sergipanos!... preparai-vos para a guerra!”. Advertiu ainda sobre a possibilidade de novos ataques, de traição, desordem pública.[8] Esta materialização do conflito em território sergipano gerou curiosas manifestações no imaginário popular. Um senhora afirmou haver mantido contato com os tripulantes de um submarino. Segundo esta, eles haviam saído de uma “embarcação escura” que emergiu nas proximidades do rio Vasa Barris.[9] Reclamavam ter sede e não encontrar água para beber. Falava-se também em possíveis ataques aéreos, em auxiliares eixistas entre os aracajuanos.
Aracaju viveu, ao seu modo, tempos de Guerra. Assim, os anos posteriores a 1942 foram de dificuldades muito grandes na vida brasileira. Perseguições a nazi-fascistas, concentração da indústria nascente para a Guerra, saída de jovens para frente de batalha e racionamentos de alimentos e combustíveis.
De forma semelhante aos dias de hoje os automóveis particulares, prolongamentos da vida privada[10], eram utilizados para o passeio com a família, para chegar às praias da cidade, assim como nos leva-e-traz dos homens de negócios etc. Eram usados (falamos dos mais vistosos) também para seduzir as jovenzinhas dos subúrbios da capital.
Por conta da Guerra, o governo instituiu o racionamento de combustível, proibindo o uso de carros oficiais e particulares. Com isso, os ônibus e bondes de Aracaju se viram abarrotados de gente. Os donos de automóveis não aceitaram a medida passivamente.
O Departamento de Segurança informava em aviso que “não mais será fornecida autorização para circular carros pertencentes a particulares, para fins de limpeza ou qualquer outro pretexto”[11]. Contudo, muitos “figurões” utilizavam carros oficiais sem sofrer punições. Sabe-se ainda que os adversários políticos do governo ficavam longo tempo sem combustível.[12]
Além dos carros particulares e oficiais, era possível utilizar-se principalmente do bonde e da marinete. No primeiro “senhoras, senhoritas, cavalheiros, como sejam militares, estudantes, elementos da nossa polícia civil (...)” arrumavam-se entre os bancos, compras e demais apetrechos.
Os bondes são bons indicadores dos problemas que a cidade enfrentou após a entrada do Brasil na Guerra. Entretanto, verdade seja dita, o aracajuano teve que conviver com uma parca organização mesmo antes disto ocorrer. Mudavam-se itinerários sem prévio aviso, testavam-se novos horários, depois retornava-se ao procedimento normal. “A ETEA retirou de trafego e meses depois fez voltar o bonde de linha circular. Agora novamente retirou-o”.[13]
Pernas para quem estava distante da região central da cidade – onde encontravam-se as principais repartições públicas, lojas, escritórios etc. – os bondes e as marinetes eram fundamentais à maioria dos aracajuanos. Dizia o ditado popular: “Jogar como meraú / só os bondes D ‘Aracaju”. E com razão. A situação dos bondes e das vias não era boa. A Guerra apenas acentuou este quadro: “os motores escangalhados, os truques estragados, as coberturas arremendadas de furos, as cortinas enguiçadas, sem estribos e sem freios”, informava o Correio de Aracaju. Em 1945, no mês de abril, dos onze bondes existentes na cidade, somente três circulavam. A razão para tamanha bagunça: “é a guerra”.[14]
Por sua vez, as marinetes circulavam na capital permitindo acessar regiões nas quais os bondes não possuíam “linha”, sendo suas passagens mais caras que as destes últimos. Mas com elas os incômodos também não se apresentavam esporádicos. Tais veículos podiam levar à praia de Atalaia, às provas de turfe, bem como às cidades do interior. Utilizá-los era muitas vezes uma experiência revoltante para o passageiro. Experiência vivida, por exemplo, por aqueles que pretendiam chegar às festas na colina de Santo. Antônio em 1939.
Ocorreu o seguinte. Chegando ao “pé da ladeira”, o condutor perguntou: “Quem quer subir?”. Obviamente, todo mundo afirmou a intenção de permanecer no carro até chegar ao topo. Afinal, a passagem compreendia tal percurso. Porém, ao completar a subida, outra passagem era cobrada. Outros condutores eram mais objetivos. Avisavam já no pé da ladeira: “volta daqui”.[15] Quem quisesse subir, que fosse a pé.
Era ver isto ocorrer no dia-a-dia e permanecer em silêncio espartano. A imprensa habilmente transpunha para os condutores toda a culpa pelas medidas arbitrárias. O Estado, dessa forma, desvencilhava-se da figura autoritária e reafirmava o seu papel redentor.
Mas práticas como estas mostram também as faces de uma sociedade que de certa forma, reproduzia o autoritarismo (nas figuras oficiais: fiscais, condutores, demais funcionários do baixo escalão) e a submissão (no cliente lesado que não erguia, ou não possuía meios de contestar tais atitudes). Se alguma reclamação era feita, a resposta: “é ordem superior”[16]. E provavelmente era – ao menos, nos casos de recolhimento e alterações das rotas.
Ainda devido ao estado de guerra, os “blackouts programados” impeliram mudanças na vida sergipana. Em Aracaju os fiscais enfrentaram problemas com aqueles que passavam do horário com as luzes acesas ou não pintavam suas vidraças de preto, nem tampouco tratavam de colocar algum papel escuro nelas.
A escuridão fermentou a imaginação dos citadinos, mudou hábitos que cresceram com muita gente. As cadeiras nas calçadas, por exemplo, ficariam sem grande sentido se Fulano ou Sicrano (combustíveis da fofoca) não passavam, ou pior, se não eram bem visíveis.
A penumbra programada rearranjou o “ir” e “vir” de muita gente. “o pôvo deve preparar a iluminação residencial de maneira a não ser percebida externamente”, explicava o anúncio sobre a instituição do blackout[17].
A queda na tensão ou a falta de energia elétrica indicavam que a Guerra havia mesmo chegado com quase todas as suas dificuldades. Aos mais pobres, a eletricidade deficiente não representou grande entrave, já que estes não tinham acesso a tal benefício em seus lares. Ressalva seja feita para o caso dos bondes que tinham que “recolher” mais cedo ou parar no meio da linha e aos cinemas, onde a falta de energia trazia consigo vaias e muita inquietação.
A ida aos clubes também era feita com certo receio: “a queda de energia empanou a festa”[18], lamentava o Correio de Aracaju ao cobrir um evento projetado com toda pompa possível. No final, baterias permitiram o prosseguimento de bailes e outras solenidades noturnas.
A cidade província se vê cosmopolita
Há, nos jornais nos durante a Segunda Guerra, uma contradição interessante. Enquanto nossos colunistas e alguns intelectuais da época, insistem em construir a imagem de uma emergente metrópole nacional. Comentava-se o requinte da noite do Ano Novo em um clube: “luxuosos automóveis se enfileiravam em frente da linda boite conduzindo elegantes senhoras e encantadoras senhorinhas./ Parecia flutuar pelo ar um perfume que inebriava os sentidos. Ambiente elegante e de requintada espiritualidade. Sem vulgaridade. Seleto. Sem maldade”.[19] Além do evidente moralismo, a nota procura transmitir a idéia de um ambiente moderníssimo e elegante, semelhante aos de muitos filmes vistos em Aracaju.
Porém, as notas de canto de página dos mesmos veículos refletem uma cidade pacata, distante daquilo que oficialmente era dito. Deste modo, encontramos afirmações como esta de Valentim Amaral: “Aracaju - a cidade jardim - tem aspectos a enfeia-la e que, de tão anti-esteticos, dão-nos a impressão de um retorno a uma civilização afastada da nossa com cincoenta anos de atraso”[20]. Nosso próprio jornalismo deixa à mostra que, de maneira nenhuma, a cidade aproximava-se do ambiente cosmopolita idealizado:“Vem à noite. Quem não tem o habito de jantar toma café com bolacha ou macaxeira. Terminada a refeição, quem fuma queima um York ou bagana e depois...cadeiras nas calçadas para impedir o transito ou então tesoura em punho para garantir que Fulano é... pirata, Cicrano está quasi falido, Beltrano enriqueceu depressa ”[21].
Mas, contrastando com esta visão, uma mais tradicionalista. Vejamos esta nota como exemplo: “acha-se em nossa redação uma bem feita dentadura (...) quem perdeu pode vir buscá-la”.[22] Além das próteses dentárias, relógios de ouro, vestidos infantis e outros utensílios eram reclamados ou notificados. São anúncios que contrastam com a situação atual. A cidade na qual, nos tempos da Guerra, até uma dentadura e objetos de ouro poderiam ser recuperados assiste, estática, a latrocínios em escala ascendente.
À guisa de conclusão
A Segunda Guerra reordenou o mundo, estabeleceu novos temores às sociedades contemporâneas. Para Aracaju, os tempos de Guerra foram difíceis. O aracajuano teve que adaptar seu cotidiano às novas diretrizes impostas pelo conflito. Quando foi possível, as normas foram quebradas, desrespeitadas mesmo. Afinal, o que dizer de um cidadão que, proibido de passear de carro, resolve lavar o seu veículo a quilômetros da própria casa?
Além disto, o episódio do torpedeamento marcou a cidade definitivamente. A rodovia dos náufragos é um lugar da memória aracajuana parcamente explorado. Porém, os impactos do maior conflito do século XX para Aracaju e seus habitantes ainda são pouco conhecidos. Infelizmente, os gestores da cultura e da educação parecem desconhecer a importância de um espaço como este para a cidade. Poucas cidades brasileiras vivenciaram a Segunda Guerra de forma tão intensa. Nenhuma delas demonstra tanto desprezo pelo evento quanto Aracaju.
[1] O PALADINO. A tragédia Humana. O Nordeste. Aju.,21 set.1939.p. 01
[2]Folha da Manhã. Aju.,01 fev. 1939.p.01; Correio de Aracaju. Aju.,28 mai. 1945.p.06
[3] Correio de Aracaju. Aju. 18 ago.1942.
[4] SANTANA, Santos. O Brasil na Guerra: Tragédia no litoral de Sergipe. Aracaju dos meus amores. Aju:PMA/SEC, 1983.p.81-85
[5] CABRAL, Mário. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Livraria Regina, 1955.p.128.
[6] WYNNE , J. Pires.História de Sergipe (1930-1972). Rio de Janeiro: Pongetti,1973. v.02 p.93-94.
[7] AVISO ao público. Folha da Manhã. Aju.,20 ago.1942.p.06.
[8] A VIBRAÇÃO cívica de Sergipe. Folha da Manhã. Aju.,24 ago.1942.p.01
[9] O relato foi feito aos investigadores que cuidaram do inquérito aberto na ocasião do torpedeamento. Cf. Correio de Aracaju. Aju.,16 out. 1942.p.02-03.
[10] PROST, Antoine e, Gerárd (orgs.). História da vida privada 5: da Primeira Guerra aos nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; DEL PRIORE, Mary. História do cotidiano e da vida privada. In: CARDOSO, C. F. , VAINFAS, R. (Orgs.) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997.p. 259-268.
[11] Correio de Aracaju. Aracaju, 23 jul.1942.p.02.
[12] Cf. Correio de Aracaju. Aracaju,31 jul. 1945 p.04.
[13] Correio de Aracaju. Aracaju, 13 jan. 1939.p.04.
[14] Correio de Aracaju. Aracaju, 07 abr. 1945.p.01
[15] A ETEA e o povo. Correio de Aracaju. Aracaju, 24 jan. 1939.p.04.
[16] Com os Serviços de Luz e Força. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 mar.1945.p.03.
[17]Blackout. Correio de Aracaju. Aracaju, 27 ago.1942.p.01.
[18] A FALTA de luz empanou o brilho da Festa da Primavera. Correio de Aracaju. Aracaju, 01 out 1945. p.04.
[19] O REVEILLON da Atlética. O Nordeste. Aracaju, 16 jan.1942.p.04.
[20] AMARAL, Valentim. A Feira do Mercado. O Nordeste. Aracaju, 14 mar. 1939.p.01.
[21] BÔA piada. O Nordeste. Aracaju, 15 mar.1939.p.01.
[22] Folha da Manhã. Aracaju, 9 nov. 1942.p.04.
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